<<Biblioteca Digital del Portal<<INTERAMER<<Serie Educativa<<La Enseñanza de la Historia
<<O ensino de História no Brasil: História e perspectivas
Colección: INTERAMER
Número: 29
Año: 1994
Autor: Josefina Zoraida Vázquez y Pilar G.Aizpuru, Comps.
Título: La Enseñanza de la Historia
A trajetoria: Persistencia e mundança
Vozes, ao longo desses dois séculos, procuraram, de início isoladas e depois consistentes, fazer emergir outras possibilidades de ensinar História.
Particularmlente nos anos vinte desse século, com a introdução do ideário da escola nova e, particularmente, do pragmatismo de John Dewey, no bojo das críticas que se lançavam à estrutura e aos conteúdos da escola secundária, avaliou-se também a prática pedagógica daquela disciplina. Um dos aspectos visados foi a ênfase que os professores colocavam no estudo do passado. Defendeu-se, sem sucesso, que a História deveria ocupar se prioritariamente com as sociedades contemporâneas: ...é a história contemporânea que realmente interessa figurar no programma escolar, pela sua relação de causalidade mais próxima com os problemas sociaes do momento, a que o educando tem de fazer face, afirmou Murilo Mendes, em 1935 (51).
Em relação ao conteúdo, a crítica incidiu principalmente em dois pontos: de um lado, na seleção da história política e de sua correspondente cronologia para subsidiar os programas de ensino e, de outro, na relação entre nacionalismo e militarismo. Em um diálogo explicitado com o seu tempo social, com os olhos postos no que se passava na Europa, quando impérios ruiam, ditaduras surgiam e o imperialismo tornava-se a tônica na relação entre estados e explicitavam as finalidades cívicas do ensino de História que continuava a ser tendencioso, parcial e belicista e visava claramente a preparar na creança de hoje o soldado de amanhã, Murilo Mendes alertava e aconselhava as autoridades brasileiras: Se a tendência das grandes potências é, e será por algum tempo, a de cultivar o nacionalismo em suas modalidades extremadas, defensivo como ofensivo, e se porisso em sua inevitavel repercussão internacional esse movimento attinge o Brasil, cumpre-nos orientar nossa política nacionalista em seus aspectos mais benfazejos, e os ha, certamente, deixando de lado um chauvinismo vêsgo e totalmente contrário aos nossos interesses e tradições. Não será chrismando a lingua materna de brasileira e ensinando aos moços uma história do Brasil tendenciosa, com a preoccupação de enaltecer nossas origens e exaltar heróes, que havemos de formar na juventude a consciência da nacionalidade (Mendes 38, 39-40).
Todavia, a maior ênfase dos educadores progressistas recaiu no que foi denominada a technica viciosa de sua methodologia (Mendes 40), corporificada na memorização excessiva, na passividade do aluno, na decoração, na periodização política, na abordagem fatual, etc... Sem desmerecer a memória pois sem memória não ha estudo possível de história, pois que a história é a própria memória do que já se passou (Mendes 41), insistiu-se a necessidade de se reformular o ensino da disciplina, sob pena de não realizar os seus objetivos educativos. Defendeu-se a necessidade alunos adquirirem os habitos de investigação, análise, juizo, generalização, raciocínio lógico, crítica, em todos os quaes a memória irá entrar com o valor positivo de instrumento utilissimo e indispensável, um só instrumento na função conjuncta e complexa de todo o trabalho mental (Mendes 41).6
As primeiras medidas concretas no sentido da inovação do ensino em geral, e o de História em particular, ocorreram com a instalação dos primeiros cursos universitários direcionados para a formação do professor secudário, em 1934. No bojo da criação e instalação da primeira universidade brasileira (e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) em São Paulo, acorreram para esta cidade e, depois para a do Rio de Janeiro (com a instalação da Universidade do Brasil) cientistas estrangeiros que se preocuparam em introduzir a pesquisa científica nas diversas áreas (das Ciências Humanas, Biológicas e Exatas), superando a fase de auto-didatismo e abrindo novas perspectivas para a atuação docente.
Para os campos de História e de Geografia, a contribuição foi principalmente de cientistas franceses. Nomes como Fernand Braudel, Emile G. Leonard, Lucien Febvre, Emile Coonaert, Jean Maugué, Pierre Monbeig, Claude Lévi-Strauss, Paul Arbousse Bastide, Pierre Deffontaines, Jean Gagé, Paul Vanorden Shaw colaboraram para a delimitação do campo das Ciências Sociais no país, sobretudo da História e da Geografia, de seus métodos e objetos.
No caso paulista, nas origens da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, os estudos de História foram marcados por três influências: na Cadeira de História da Civilização, pelos historiadores franceses da Ecole des Annales; na de História do Brasil, pelos representantes do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, de cunho conservador e tradicional e na Cadeira de História da América, pelo historiador norte-americano Paul Vanorden Shaw, detentor de uma visão menos dogmática, incluindo perspectiva interdisciplinar.7
Essas três vertentes, acabaram propiciando um conjunto de experiências diversificadas e heterodoxas, uma vez que a abordagem do social e a construção do conhecimento histórico ia desde a aplicação com rigor do método positivo, à valorização dos acontecimentos políticos e da histoire evenementielle até a tentativa de compreensão da totalidade do social, passando pela aprendizagem de sua leitura, utilizando-se fontes não convencionais, na época denominada fontes auxiliares. Encontravam-se assim, lado a lado, docentes que defendiam e pregavam a semelhança dos processos de investigação científica com os das ciências biológicas, a neutralidade do cientista, as idéias de causalidade, a necessidade da imparcialidade do pesquisador, o registro das coisas como aconteciam os que já criticavam a identificação linear entre ciência e verdade ou da natureza neutra da ciência e do trabalho do cientista.
Esta formação, embora eclética, conduziu para a compreensão, em novas bases do objeto e do método da História e, por conseguinte, do seu ensino.
Nos anos cinquenta/sessenta, essa renovação, direcionada para o aprofundamento dos fundamentos científicos e do papel formador-crítico da disciplina, atingiu a escola secundária, devido ao recrutamento dos docentes ser feito no seio dos licenciandos, ainda não em maioria, mas suficientemente expressivo que propiciou uma outra qualidade ao seu ensino; acontecimento rememorado pelos estudantes que a percebiam como uma das ferramentas para a compreensão do social. Social, produto de ações e de forças contraditórias e múltiplas. Apesar da superação de simples memória ou registro objetivo e imparcial, o conteúdo ainda era direcionado para um discurso explicador, unívoco, generalista, totalizador e europocentrista. Explicitava-se o método mas o objeto da ciência ainda era distinto do sujeito que a produzia. O limite era dado pela aceitação de que era possível a reconstituição do passado e que sua compreensão... se alcançava através de uma reconstrução da experiência... mediante a interpretação, a mais objetiva possível, de todas as fontes disponíveis (Hollanda 9). Todavia, as fontes escritas prevaleciam ainda sobre todas as demais.
Essas mudanças na concepção, no tratamento e nas práticas pedagógicas de História foram simultâneas a um alargamento do alcance da escola secundária, em consequência das modificações sociais acarretadas pela Segunda Guerra Mundial. Aceleradas urbanização e industrialização minaram as bases do ensino secundário elitista e propedêutico e atuaram no sentido de sua generalização, enquanto aspiração, para os amplos setores das camadas médias urbanas e populares, insistindo as críticas em suas inutilidade e inoperância.
Os anos sessenta, agudizaram esses problemas e acirraram as contradições entre uma escola secundária que se expandia para amplos setores sociais e uma proposta de ensino elitista e propedêutico que cumpria o objetivo de legitimar, de um lado, a ascenção social de uma minoria que conseguia ultrapassar os obstáculos e, de outro, reproduzir a crença da existência de lugares definidos, numa sociedade altamente hierarquizada e de classes.8
Essa época marcou também uma conjuntura favorável à experimentação no ensino com o aparecimento, em diversos Estados do país, de escolas que testavam currículos, métodos de ensino, conteúdos e práticas pedagógicas; inovações direcionadas, via de regra, para a interdisciplinariedade e para a aceitação do aluno como co-responsável pelo seu processo educativo.
No que se refere à História, houve uma abertura para outras Ciências Humanas, com o entendimento de que era necessário superar o seu isolamento, enfatizando o seu caráter problematizador e interpretativo. Outras práticas foram ensaiadas:
- ênfase no estudo do meio, como o detonador do currículo;
- aproximação entre ensino e pesquisa, com o reconhecimento do papel de co-gestão do aluno na sua aprendizagem;
- organização de programas de ensino, de forma autônoma, por professores e alunos;
- valorização e utilização de documentação variada, não só dos tradicionais documentos oficiais, mas daqueles considerados até então, menores - música, literatura, etc...;
- ova abordagem do documento histórico, tomado não só na sua acepção de objeto, mas também na de sujeito.
A ditadura implantada com o movimento militar de 1964, desfechou também um golpe nas diferentes experiências de ensino. Escolas fechadas, professores e alunos presos e respondendo processos-crimes, foram algumas das formas usuais de tratamento por parte dos novos donos do poder.
Contraditoriamente, na mesma época, apesar da censura e da implantação de outros mecanismos coersitivos, a produção histórica foi se renovando com o emprego da dialética marxista, como método de abordagem e com a incorporação de temas de pesquisa abrangentes e direcionados para o social como a escravidão e a economia colonial. Nos anos setenta, a busca de novos temas se acentuou com a incorporação de estudos sobre a classe trabalbadora, começando pelo operariado, sua imprensa, seus movimentos associativos, suas formas de luta e de resistência (Nadai, O ensino de história na América Latina) e atingindo os estigmatizados camponeses, mulheres, prostitutas, homosexuais, etc.
Definitivamente o conceito de história alargara-se para incorporar temas e assuntos antes não valorizados e considerados menores. A própria historiografia brasileira passou por uma releitura: buscou-se a identidade nas diferenças de espaço, de formação, de organização, de história, de lutas e de resistências. O regional e a história local, foram cada vez mais estudados em suas imbrincações no nacional e no social, em diversos programas de pós-graduação que se distribuiram pelo espaço brasileiro. Esta vasta produção, contudo, ficou em grande parte restrita às academias, não atingindo o grande público consumidor. Seja pela situação de ditadura, seja pelo controle asfixiante da censura.
Neste interim, a escola secundária, antes restrita a uns poucos, conheceu a expansão quantitativa de suas matrículas. Assim, de escola para atender as camadas médias urbanas que necessitavam ilustrarem-se, passara a atingir amplos setores sociais as camadas populares. Primeiro com a criação dos cursos noturnos e depois pelo fim dos exames de admissão ao ginásio, que conduziram às transformações da própria natureza desses cursos e em seus objetivos. Por imposição legal, a escola secundária foi estendida para oito anos de duração e unificada à escola primária, tornando-se obrigatória para a totalidade da população.
Modificações legais, impuseram ainda profundas transformações no projeto de formação de professores que vinha sendo realizado, tornando-o de curta duração, pobre em conteúdo científico, aligeirado e polivalente.
Para completar negou-se à História o estatuto de disciplina autônoma, chegando a desaparecer do currículo da escola fundamental (a partir de então, chamada de primeiro grau, com oito anos de duração) com a introdução dos Estudos Sociais. Ficou relegada à ínfima carga horária e somente obrigatória em uma única série do segundo grau (grau posterior à escola fundamental, para alunos de 15-17 anos e com três anos de duração).
O controle sobre a disciplina histórica, relacionou-se sobretudo à ideologia implantada com o golpe de 1964, quando o ensino foi colocado ao serviço do regime ditatorial que propugnava a formação de cidadãos dóceis, obedientes e ordeiros: De um lado, ter-se-ia dado o esvaziamento do seu sentido crítico e contestador e, de outro, manifestado o seu caráter de instrumento de veiculação e formação do espírito cívico, entendido como aquele capaz de glorificar os feitos dos autoproclamados heróis do dia (Rodrigues 109). Isso foi tão importante para caracterizar o tom no ensino de História que muitos estudiosos selecionaram aquele evento como marco de origem do modelo hegemônico de ensino de História (Rodrigues 109), entendido no presente artigo e em outros de nossos trabalhos como de duração maior (Nadai, A escola pública 105).
Com o fim da ditadura militar e com a emergência do Estado Constitucional a partir do final dos anos setenta e início dos oitenta, ocorreu a emergência de novas propostas curriculares em todos os Estados da Federação que vinham procurando concretizar a readequação dos currículos, programas e métodos e o redirecionamento da escola fundamental de oito anos.
A totalidade das propostas é variada, complexa e diferenciada quanto ao conteúdo, método ou estratégias de ensino. Algumas caracterizam-se por sua natureza inovadora e progressita, outras, pelo tom repetitivo e conservador. Todas, enfim, anseiam por superarem a ficção da escolaridade obrigatória de oito anos.9